quinta-feira, 2 de abril de 2020

OPINIÃO: GEÓGRAFO NANUQUENSE ANALISA IMPACTO DO CORONAVÍRUS


“A quase total paralisação das cidades mostrou o quão frágil somos diante de um inimigo visto apenas em laboratórios.”

Publicamos abaixo um pequeno recorte de artigo mais amplo que foi submetido, semana passada, a uma revista científica. Autoria é do geógrafo Sebastião P.G. de Cerqueira-Neto, nascido em Nanuque, hoje professor do Instituto Federal da Bahia e professor no Mestrado em Ciências e Tecnologias Ambientais IFBA/UFSB, com pós-doutorados pela Universidade Federal da Bahia, Universidade de Coimbra – Portugal – e Universidade Federal do Rio de Janeiro.


Coronavírus: 
a pandemia que desorganiza o território

Sebastião P.G. de Cerqueira-Neto


A quase total paralisação das cidades mostrou o quão frágil somos diante de um inimigo visto apenas em laboratórios. Grandes empresas de transporte coletivo tiveram que deixar seus veículos nas garagens; os shoppings, um dos maiores símbolos do capitalismo, fechados; a rede hospitalar do país se mostrou incapaz de receber tantos pacientes. A dinâmica do coronavírus nos ensina a compreender que vivemos em um único território, seja ele global, nacional, regional ou local, ainda que vivamos nunca competição voraz entre os territórios. Nesse sentido, o vírus desconhece qualquer tipo de barreira geográfica, seja ela política-administrativa ou natural, daí sua imensa força na desorganização nos continentes, nos países, nas cidades.

Esta reflexão é apenas uma análise limitada, pois, está dentro de um olhar de uma ciência, a Geografia. Contudo, pode ser uma contribuição para se pensar o território após fim da epidemia. Separei alguns vetores que podem explicar a desorganização dos territórios, desde o local até o global.

Assistimos nos últimos dias aos principais conglomerados de comunicação dedicando 24 horas de suas programações para noticiar sobre o coronavírus, evidentemente, que dentro da ideologia política, religiosa, dos seus diretores. Algumas optam por uma linha jornalística que se alinha com o pensamento do atual Presidente da República. Outros canais de televisão optam por uma linha de conduta que se ampara no confinamento social total como forma de conter a ação e propagação do conavírus. 

Independentemente das duas correntes de informações estabelecidas no meio televisivo a dedicação a um único assunto nos afasta de outros problemas regionais, como a fome que está presente em nosso território desde os primeiros estudos de Josué de Castro em 1946; a falta de emprego que antecede a pandemia; a carência de recursos para a educação, ciência e tecnologia.

Na seara da medicina há divergências entre os especialistas. Para alguns deve haver o confinamento social em sua totalidade, pois, para essa corrente, ainda que admitam a existência dos grupos de riscos, todos nós estamos vulneráveis ao COVID-19. Para outra corrente de pesquisadores, o confinamento vertical é possível fazendo o isolamento apenas daquelas pessoas que compõem o chamado grupo de risco. 

Os nossos políticos, desprovidos em sua maioria de qualquer pensamento crítico do seu papel, das mais diferentes matizes partidárias irão se apegar a uma das duas correntes científicas para produzir seus discursos, geralmente, inflamados pensando no próximo pleito do país. Contudo, na ciência o consenso está longe de ser uma característica, ao contrário, a ciência cresce através do aperfeiçoamento e divergências nas pesquisas, pela contestação. É importante lembrar que políticos brasileiros, em sua maioria, desprezam o papel da ciência.

Sem a intenção de cometer nenhum julgamento injusto, mas em tempos de reforma da previdência, que também é um tema global, a morte dos idosos parece ser uma contribuição perversa para alguns governos. Um outro fator é que geopoliticamente, o vírus causa impactos nas economias de países que se encontram em processo de desenvolvimento, o que também significa uma boa notícia para os países que ainda se comportam como colonizadores.

No Brasil, o caos na saúde pública é histórico, independentemente, da ideologia do partido que esteja no poder. Saúde faz parte do tripé, juntamente com a educação e segurança, de discursos políticos vazios; são mantras em campanhas políticas. Não há na história do país um governo que marcou uma mudança significativa, efetiva na saúde. 

O Sistema Único de Saúde (SUS), a descoberta de vacinas, novas técnicas de operação, poderiam ser verdadeiros exemplos de uma dinâmica brasileira, entretanto, o que se faz é a tentativa de destruição do SUS, campanhas contra a aplicação de vacinas (voltamos em novembro de 1904 com Oswaldo Cruz), e novas técnicas ou tecnologias não estão acessíveis a população mais carente economicamente do país.

O Brasil, tenta resolver esse problema com o velho ditado: a necessidade faz o sapo pular. Na capital baiana, o Hospital Hespanhol fechado em 2014 por acúmulo de dívidas foi reaberto temporariamente, a pedido da Procuradoria Geral do Estado, em prazo recorde para atender os pacientes do COVID-19; ainda na Bahia, na cidade de Lauro de Freitas, o Hotel Riverside, também desativado vai receber pacientes da rede estadual; em Belo Horizonte, o Expominas, um espaço para a realização de grandes eventos, será transformado em um hospital de campanha, assim como aconteceu com o estádio do Pacaembu na cidade de São Paulo. São medidas paliativas que foram tomadas a partir da pandemia, contudo, essa infraestrutura temporária que está sendo montada deveria ser permanente para atender pacientes que são alocados por corredores de hospitais de todo o país por falta de leitos e UTIs.

Apesar de o coronavírus afetar diretamente a saúde das pessoas, a maior preocupação foi com a saúde da economia. Ao negligenciar as informações científicas que classificaram o COVID-19 como um vírus altamente letal e de rápida propagação pelo espaço, presidentes de países, primeiros-ministros e prefeitos não tiveram como objetivo principal tranquilizar a sociedade, mas, de proteger ao máximo a economia. 

Ao tentar calar o médico Li Wenliang, a China pensou em não parar suas exportações; ao não aderir a campanha para que Milão parasse, o prefeito Giuseppe Sala se preocupou em não parar um dos maiores centros de negócios do mundo; quando Donald Trump minimizou a gravidade do vírus, que estava ultrapassando todas as fronteiras entre continentes, países e cidades, sua preocupação foi com a hegemonia norte-americana; e quando Bolsonaro replica o mesmo pensamento de Trump para a sociedade brasileira, significa aflorar a nossa condição histórica de uma triste caricatura por tentarmos igualar aos Estados Unidos.

No que se refere ao debate entre a proteção social versus a economia, é uma dicotomia contraproducente tendo em vista que não há desvinculação. Para essa análise apresento dois exemplos em forma de questionamentos: como a Irmã Dulce conseguiu, através de doações, transformar um galinheiro numa das maiores obras de assistência social do país? Josué de Castro dizia que o único desenvolvimento que devemos pensar é no desenvolvimento humano e que para isso bastava dar amor e pão [1]

Certamente que esse tipo de pensamento não permeia a maior parte dos nossos políticos, que são guiados por teorias economistas que nada se aproximam das necessidades da sociedade; salvo a economia solidária, mas esta não tem espaço na grande mídia tampouco na política. 

Não adianta o Brasil estar frequentando a lista dos país mais ricos com um contingente de miseráveis pelas ruas, com uma ciência pobre, com sistemas de educação e de saúde debilitados. Irmã Dulce e Josué de Castro não tiveram o poder da “caneta”!

A desorganização territorial seja ela natural ou provocada por ações antrópica sempre irá ocorrer, pois é parte do comportamento do homem como também é parte da dinâmica do planeta. Evidentemente que alguns dos fatores que causam a desorganização de um dado território ou mesmo vários territórios são imprevisíveis. Contudo, se um país privilegia o bem-estar social, que pode ser desenvolvido a partir de políticas públicas com amparo cientifico, os prejuízos humanos e econômicos tendem a ser minimizados, evitando o maior tempo possível de calamidade e abreviando um processo de reorganização territorial.

A crise em muitos setores pode ser explicada pelo fato de que o Brasil é um país que nunca teve a cultura de tratar a ciência como sua parceira no desenvolvimento. Aliás, para alguns governos a ciência é tratada como uma inimiga.

Hoje, um lugar é classificado como desenvolvido pelo que produz cientificamente, não pela quantidade de fábricas, pela quantidade de armas ou pelo seu poder de influência política. Santa Rita do Sapucaí, em Minas Gerais, é uma potência tecnológica no Estado, tem aproximadamente 40 mil habitantes. Terminei o texto com esse parágrafo sem nexo, pois, faltou-me argumento para tentar fazer uma analogia, mas... Temos um Vale, falta transformá-lo no/do silício.

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[1] Pensamento expresso Documentário sobre Josué de Castro: cidadão do mundo. Direção de Silvio Tendler. Produtora UERJ VÍDEO, em VHS, 1994. https://www.youtube.com/ watch?v=fQrwW1sjHyI. Acessado em: 30 out. 2013.

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