“A quase total paralisação das cidades
mostrou o quão frágil somos diante de um inimigo visto apenas em laboratórios.”
Publicamos
abaixo um pequeno recorte de artigo mais amplo que foi submetido, semana
passada, a uma revista científica. Autoria é do geógrafo Sebastião P.G. de
Cerqueira-Neto, nascido em Nanuque, hoje professor do Instituto Federal da
Bahia e professor no Mestrado em Ciências e Tecnologias Ambientais IFBA/UFSB,
com pós-doutorados pela Universidade Federal da Bahia, Universidade de Coimbra
– Portugal – e Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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Coronavírus:
a pandemia que desorganiza o território
Sebastião
P.G. de Cerqueira-Neto
A quase total paralisação das cidades mostrou
o quão frágil somos diante de um inimigo visto apenas em laboratórios. Grandes
empresas de transporte coletivo tiveram que deixar seus veículos nas garagens;
os shoppings, um dos maiores símbolos do capitalismo, fechados; a rede
hospitalar do país se mostrou incapaz de receber tantos pacientes. A dinâmica
do coronavírus nos ensina a compreender que vivemos em um único território,
seja ele global, nacional, regional ou local, ainda que vivamos nunca
competição voraz entre os territórios. Nesse sentido, o vírus desconhece
qualquer tipo de barreira geográfica, seja ela política-administrativa ou
natural, daí sua imensa força na desorganização nos continentes, nos países,
nas cidades.
Esta reflexão é apenas uma análise limitada,
pois, está dentro de um olhar de uma ciência, a Geografia. Contudo, pode ser
uma contribuição para se pensar o território após fim da epidemia. Separei
alguns vetores que podem explicar a desorganização dos territórios, desde o
local até o global.
Assistimos
nos últimos dias aos principais conglomerados de comunicação dedicando 24 horas
de suas programações para noticiar sobre o coronavírus, evidentemente, que
dentro da ideologia política, religiosa, dos seus diretores. Algumas optam por
uma linha jornalística que se alinha com o pensamento do atual Presidente da
República. Outros canais de televisão optam por uma linha de conduta que se
ampara no confinamento social total como forma de conter a ação e propagação do
conavírus.
Independentemente das duas correntes de informações estabelecidas no
meio televisivo a dedicação a um único assunto nos afasta de outros problemas
regionais, como a fome que está presente em nosso território desde os primeiros
estudos de Josué de Castro em 1946; a falta de emprego que antecede a pandemia;
a carência de recursos para a educação, ciência e tecnologia.
Na
seara da medicina há divergências entre os especialistas. Para alguns deve
haver o confinamento social em sua totalidade, pois, para essa corrente, ainda
que admitam a existência dos grupos de riscos, todos nós estamos vulneráveis ao
COVID-19. Para outra corrente de pesquisadores, o confinamento vertical é
possível fazendo o isolamento apenas daquelas pessoas que compõem o chamado
grupo de risco.
Os nossos políticos, desprovidos em sua maioria de qualquer
pensamento crítico do seu papel, das mais diferentes matizes partidárias irão
se apegar a uma das duas correntes científicas para produzir seus discursos,
geralmente, inflamados pensando no próximo pleito do país. Contudo, na ciência
o consenso está longe de ser uma característica, ao contrário, a ciência cresce
através do aperfeiçoamento e divergências nas pesquisas, pela contestação. É
importante lembrar que políticos brasileiros, em sua maioria, desprezam o papel
da ciência.
Sem
a intenção de cometer nenhum julgamento injusto, mas em tempos de reforma da
previdência, que também é um tema global, a morte dos idosos parece ser uma
contribuição perversa para alguns governos. Um outro fator é que geopoliticamente,
o vírus causa impactos nas economias de países que se encontram em processo de
desenvolvimento, o que também significa uma boa notícia para os países que
ainda se comportam como colonizadores.
No
Brasil, o caos na saúde pública é histórico, independentemente, da ideologia do
partido que esteja no poder. Saúde faz parte do tripé, juntamente com a
educação e segurança, de discursos políticos vazios; são mantras em campanhas
políticas. Não há na história do país um governo que marcou uma mudança
significativa, efetiva na saúde.
O Sistema Único de Saúde (SUS), a descoberta
de vacinas, novas técnicas de operação, poderiam ser verdadeiros exemplos de
uma dinâmica brasileira, entretanto, o que se faz é a tentativa de destruição
do SUS, campanhas contra a aplicação de vacinas (voltamos em novembro de 1904
com Oswaldo Cruz), e novas técnicas ou tecnologias não estão acessíveis a
população mais carente economicamente do país.
O
Brasil, tenta resolver esse problema com o velho ditado: a necessidade faz o
sapo pular. Na capital baiana, o Hospital Hespanhol fechado em 2014 por acúmulo
de dívidas foi reaberto temporariamente, a pedido da Procuradoria Geral do
Estado, em prazo recorde para atender os pacientes do COVID-19; ainda na Bahia,
na cidade de Lauro de Freitas, o Hotel Riverside, também desativado vai receber
pacientes da rede estadual; em Belo Horizonte, o Expominas, um espaço para a
realização de grandes eventos, será transformado em um hospital de campanha,
assim como aconteceu com o estádio do Pacaembu na cidade de São Paulo. São
medidas paliativas que foram tomadas a partir da pandemia, contudo, essa
infraestrutura temporária que está sendo montada deveria ser permanente para
atender pacientes que são alocados por corredores de hospitais de todo o país
por falta de leitos e UTIs.
Apesar de o coronavírus afetar diretamente a
saúde das pessoas, a maior preocupação foi com a saúde da economia. Ao negligenciar
as informações científicas que classificaram o COVID-19 como um vírus altamente
letal e de rápida propagação pelo espaço, presidentes de países,
primeiros-ministros e prefeitos não tiveram como objetivo principal
tranquilizar a sociedade, mas, de proteger ao máximo a economia.
Ao tentar
calar o médico Li Wenliang, a China pensou em não parar suas exportações; ao
não aderir a campanha para que Milão parasse, o prefeito Giuseppe Sala se
preocupou em não parar um dos maiores centros de negócios do mundo; quando
Donald Trump minimizou a gravidade do vírus, que estava ultrapassando todas as
fronteiras entre continentes, países e cidades, sua preocupação foi com a
hegemonia norte-americana; e quando Bolsonaro replica o mesmo pensamento de
Trump para a sociedade brasileira, significa aflorar a nossa condição histórica
de uma triste caricatura por tentarmos igualar aos Estados Unidos.
No que se refere ao debate entre a proteção
social versus a economia, é uma dicotomia contraproducente tendo em vista que
não há desvinculação. Para essa análise apresento dois exemplos em forma de
questionamentos: como a Irmã Dulce conseguiu, através de doações, transformar
um galinheiro numa das maiores obras de assistência social do país? Josué de
Castro dizia que o único desenvolvimento que devemos pensar é no
desenvolvimento humano e que para isso bastava dar amor e pão [1].
Certamente que esse tipo
de pensamento não permeia a maior parte dos nossos políticos, que são guiados
por teorias economistas que nada se aproximam das necessidades da sociedade;
salvo a economia solidária, mas esta não tem espaço na grande mídia tampouco na
política.
Não adianta o Brasil estar frequentando a lista dos país mais ricos
com um contingente de miseráveis pelas ruas, com uma ciência pobre, com
sistemas de educação e de saúde debilitados. Irmã Dulce e Josué de Castro não
tiveram o poder da “caneta”!
A desorganização territorial seja ela natural
ou provocada por ações antrópica sempre irá ocorrer, pois é parte do
comportamento do homem como também é parte da dinâmica do planeta.
Evidentemente que alguns dos fatores que causam a desorganização de um dado
território ou mesmo vários territórios são imprevisíveis. Contudo, se um país
privilegia o bem-estar social, que pode ser desenvolvido a partir de políticas
públicas com amparo cientifico, os prejuízos humanos e econômicos tendem a ser
minimizados, evitando o maior tempo possível de calamidade e abreviando um
processo de reorganização territorial.
A crise em muitos setores pode ser explicada
pelo fato de que o Brasil é um país que nunca teve a cultura de tratar a
ciência como sua parceira no desenvolvimento. Aliás, para alguns governos a
ciência é tratada como uma inimiga.
Hoje, um lugar é classificado como
desenvolvido pelo que produz cientificamente, não pela quantidade de fábricas,
pela quantidade de armas ou pelo seu poder de influência política. Santa Rita
do Sapucaí, em Minas Gerais, é uma potência tecnológica no Estado, tem
aproximadamente 40 mil habitantes. Terminei o texto com esse parágrafo sem
nexo, pois, faltou-me argumento para tentar fazer uma analogia, mas... Temos um
Vale, falta transformá-lo no/do silício.
<>
[1] Pensamento
expresso Documentário sobre Josué de Castro: cidadão do mundo. Direção
de Silvio Tendler. Produtora UERJ VÍDEO, em VHS, 1994. https://www.youtube.com/ watch?v=fQrwW1sjHyI.
Acessado em: 30 out. 2013.
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