Os viajantes europeus e suas narrativas
sobre a cidade baiana de Mucuri
Porto de Mucuri (foto da década de 1970 - arquivo Prefeitura Municipal) |
Das comunidades pertencentes à bacia
do rio Mucuri, quer seja a parte mineira, quer seja o lado baiano, a mais
antiga foi São José de Porto Alegre. Dito assim, poucos identificam a cidade
litorânea da Bahia, atualmente chamada de Mucuri. Foi uma vila indígena
descrita em documentos desde o período colonial.
A partir do século XIX, era de São
José que se iniciava o contato do nordeste mineiro com o Império. Ainda que não
fizesse parte dos caminhos da estrada Santa Clara, servia como a porta de
entrada para os sertões de Minas Gerais.
Vários relatórios e narrativas de
viajantes, comissários do governo, diretores da empresa descreveram a paisagem
e a rotina das vilas e povoados do Mucuri. No caso de São José, apesar de ser
consenso quanto a utilização da barra como local para receber embarcações, o
povoado não despertou muitos atrativos nos que por lá passaram.
Dos muitos estrangeiros que estiveram
no nordeste de Minas Gerais, o relatório produzido pelo engenheiro francês
Pierre Victor Renault em 1837, em uma narrativa da expedição realizada no ano
anterior, escreveu sobre a vila: “No pontal feito pelo rio e o mar existe uma
pequena vila, composta de quarenta fogos habitada por pescadores, cujo aspecto
e existência é o mais miserável possível . . .”.
O médio alemão Robert Avé-Lallemant,
23 anos depois, não pensava diferente. Em 1859, Lallemant esteve no Vale do
Mucuri se autodeclarando comissário do governo Imperial. Sua vinda tinha como
objetivo relatar as condições de vida do imigrante europeu que estava na região
desde 1856. Tanto na sua chegada ao vale do Mucuri, quanto na sua saída, o
médico alemão manifestou seu desencanto quanto ao povoado do litoral baiano.
Na sua chegada, narrou: “De todas as embocaduras de rios que visitei, é certamente o Mucuri o mais deserto, no seu último trecho. A vila, chamada por eufemismo de Porto Alegre, é a mais miserável que se possa imaginar”.
E ao retornar, de passagem escreveu: “Mais
uma vez cercou-me e apoderou-se de mim a realmente horrível solidão de S. José
no Mucuri. Esse Porto Alegre, o lugarejo mais triste que já vi, permanecerá
para mim eternamente indescritível”.
O olhar estrangeiro carregava todo o
preconceito eurocêntrico típico dos anos de mil e oitocentos quanto ao modo de
vida dos povos que aqui viviam. Também deve-se considerar que do século XIX
para cá o cenário descrito pelos estrangeiros sobre Mucuri muito modificou.
Hoje uma cidade próspera e com
tradição relacionada às festividades carnavalescas em nada se remete à paisagem
descrita por Renault ou Lallemant. Mas, das casas e da cultura do passado, o
que restou? O quanto Mucuri preservou a memória e a vida dos que aqui viveram e
construíram a bela cidade que hoje existe?
Márcio Achtschin Santos, PhD em História pela UFMG e professor da UFVJM.
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