quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

FRAGMENTOS DA HISTÓRIA DO MUCURI (parte 3)


Nanuque: a porta de entrada para o Vale do Mucuri

 




   Como forte característica da cultura do Vale do Mucuri, pode-se destacar o apagamento em relação a sua formação. A população do nordeste mineiro não faz a menor questão de preservar sua memória e, certamente, sofre problemas econômicos, sociais e culturais graves em função desse perfil. 


   Em matéria anterior deste blog, escrevi que era de Nanuque onde partia a primeira estrada de rodagem do Brasil. Poucos também são os moradores que têm conhecimento de que foi no município nanuquense que se formou o primeiro núcleo de ocupação da região do Mucuri mineiro, iniciado em 1852.


   Ficava às margens do rio Mucuri, bem próximo à cachoeira de Santa Clara, último ponto navegável das embarcações que saiam de São José de Porto Alegre (atualmente o município de Mucuri-BA), sendo que o restante do trajeto seria feito pela estrada Santa Clara. 


   A estrada de 27 léguas e meia foi construída pela Companhia ligando o porto até Filadélfia (atualmente município de Teófilo Otoni). O povoado não foi o principal ponto colonial, uma vez que nos primeiros anos somente recebeu trabalhadores, boa parte deles escravos, para abrir a estrada. 


   Era um dos dois pontos de apoio para servir de base para a colonização. O outro viria a ser Filadélfia. São José de Porto Alegre era apenas escala de cargas e viajantes entre o Rio de Janeiro e Santa Clara, estando fora das colônias do Mucuri.


   A Companhia do Mucuri montou uma boa estrutura no local, contando já em 1853 com uma serraria, um grande armazém com 80 palmos - 2 de frente e 40 de fundo, uma oficina de ferreiro, uma olaria, um estaleiro e um cais feito de madeira e cal para atracar os vapores, além de diversas casas provisórias para abrigar os trabalhadores. 


   Essa estrutura permaneceu ao longo da existência da Companhia do Mucuri, acrescendo apenas um novo armazém com a mesma medida do anterior, como também o local preservou sua condição de ponto de apoio para colonização do Mucuri, com um intenso movimento de mercadorias e pessoas.


    Findada a Companhia de Ottoni, em 1861, o Mucuri continuou com aumento populacional, crescendo em quase 50% sua população entre 1850 e 1870. Tudo leva a crer que o crescimento econômico também ocorria, mesmo que realizado internamente, tendo o núcleo de Santa Clara participação efetiva nesse processo. Tanto assim que o povoado de Santa Clara passou à categoria de distrito em 1877, elevando-se à Paróquia em 1881.


   Porém, com a chegada da Estrada de Ferro Bahia e Minas na região, a partir de 1881, o povoado sofreu um duro golpe, sendo que a sede do distrito passou a ser na estação de Aimorés em 1902. Quase 100 anos depois, uma usina foi instalada no local e o que restou de patrimônio local foi submerso. 


   Por força da lei, a usina teve de criar no local um sítio arqueológico, composto pelo cemitério (deslocado do seu local original), o armazém e o porto. No entanto, esse sítio atualmente se encontra em condições precárias, uma vez que as peças e os fragmentos têm sido, gradualmente, levados pelo rio Mucuri. O memorial construído no local foi desativado e as peças que foram retiradas, de valor histórico incalculável, estão hoje na UFVJM, campus Diamantina.


   Santa Clara foi a porta de entrada para a região do Mucuri. É fundamental que os moradores de Nanuque saibam da importância e do seu legado para a construção do nordeste mineiro. 


   Que se reconheçam nesse processo e, a partir da identificação cultural, consigam construir caminhos e alternativas para o crescimento local. 


👉TOQUE AQUI PARA LER A PARTE 2


Márcio Achtschin Santos, PhD em História pela UFMG e professor da UFVJM.

  

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