segunda-feira, 25 de outubro de 2021

FRAGMENTOS DA HISTÓRIA DO MUCURI (parte 9)



RIQUEZA E ATRASO NO MUCURI: O AGREGO




Para entender o cenário econômico, político e social existente hoje no Vale do Mucuri é necessário compreender como ocorreu sua formação a partir dos anos de 1800. 


Foi uma conjuntura bem distinta das regiões mineradoras do século XVIII. A busca não era mais por ouro e prata, mas investimentos em atividades agrícolas e comerciais. Território de mata densa, a ocupação se realizou através da produção agrícola, especialmente o café e, posteriormente, a pecuária. Surgiram, a partir dessas atividades, extensas propriedades rurais. 


No final dos anos de 1920, o Mucuri era o segundo produtor de café de Minas Gerais. Com a Crise de 1929, a pecuária gradativamente foi tomando o espaço da agricultura cafeeira e se tornou o principal produto da região.


Mas de quem eram os braços utilizados para que o café e o gado chegassem nesse nível produtivo? A base do trabalho no Mucuri se fundou no agrego, sistema em que o fazendeiro cedia ao indivíduo ou à família um pequeno pedaço de terra para moradia. 


O trato mais comum era a cessão da terra para a lavoura, a derrubada da mata, além da caça, pesca e coleta. Em troca, trabalhavam-se temporadas para a fazenda. A composição desses trabalhadores era de pessoas que viviam, na sua grande maioria, na mais absoluta miséria: os sobreviventes indígenas que perderam suas reservas, os ex-escravos que mantiveram-se no mesmo local onde foram cativos, os ex-posseiros que não tinham recursos para o próprio sustento ou por pressão do latifundiário para abandonar a sua terra, os retirantes vindos da seca da região norte em condições precárias.


Por sua vez, o grande proprietário rural fez fortuna explorando esse tipo de trabalho. Esses locais chegaram a ter 200 a 300 trabalhadores disponíveis para todos os serviços. Assim, toda atividade realizada pelo agregado era de baixíssima remuneração, já que a mão de obra era abundante nas fazendas.


PECUÁRIA: NANUQUE E CARLOS CHAGAS EM DESTAQUE


Entre os anos de 1940 e 1960 ocorreu um acelerado desenvolvimento na produção pecuária. Em 1955, o município de Nanuque produziu mais de um milhão de litros de leite. Tendo Carlos Chagas e Nanuque à frente, o nordeste mineiro tinha em meados do século XX a maior densidade bovina brasileira. Mas, foi um crescimento que não durou muito tempo. Uma atividade fundada nessas práticas apresentava limites para desenvolver dentro do modelo capitalista típico do século XX.


A questão é que, para o produtor do Mucuri, não havia demanda por tecnologia em função da grande disponibilidade de terra e do fornecimento de mão-de-obra barata. 


Em um período de plena expansão capitalista no Brasil, essa estrutura produtiva a partir do agrego e da exploração ambiental predatória aliada com o espaço de mata abundante, era extremamente lucrativa, mas não estimulava investimentos tecnológicos e nem o uso da terra de modo racional. Além disso, não havia um mercado interno aquecido, pelo reduzido poder de compra de grande parte da população agrega, que vivia em condições de miséria.


A partir dos anos 70, a pecuária sofreu um declínio significativo no Vale do Mucuri. As matas acabaram e junto com ela a riqueza do solo. Novas leis trabalhistas chegaram beneficiando o trabalhador do campo, dando fim à mão-de-obra agrega. 


Sem tecnologia, a produção rural local não foi capaz de concorrer com um mercado cada vez mais competitivo. Buscando alternativas produtivas, mas preservando o mesmo formato arcaico também em outras atividades, foram desastrosas as consequências para região e esse modelo econômico-político deixou como herança o atraso vivido atualmente.


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Márcio Achtschin Santos, 

PhD em História pela UFMG 

e professor da UFVJM. 



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