domingo, 26 de setembro de 2021

FRAGMENTOS DA HISTÓRIA DO MUCURI (parte 8)



A violência e o isolamento como marcas políticas do Vale do Mucuri


Arthur Bernardes: governo sem poder para interferir interferir na região


     A maneira como foi ocupado o Vale do Mucuri foi determinante para a formação política regional, sendo que dois fatores apareceram como fundamentais para estruturar o mando da elite agrária na região: a violência e o isolamento político. 

     A posse da terra, as redes de sociabilidade e as relações políticas se entrelaçam a partir de uma coexistência conflituosa, sempre resolvida fora da esfera legal. Com a prosperidade do grande produtor rural (primeiro com o café e depois com a pecuária), as tensões sobre o controle da propriedade intensificaram-se. Além das terras indígenas, as regiões ocupadas transitoriamente por posseiros foram incorporadas pelo fazendeiro.  

      Da segunda metade do século XIX até os anos de 1960, o nordeste mineiro seria um território em constante enfrentamento em relação à posse da terra, sendo que a força era o meio determinante para resolver as diferenças. O Estado não conseguia controlar as ocupações do Mucuri. Arthur Bernardes, que governou Minas Gerais entre 1918 e 1922 e foi presidente do Brasil entre 1992-1926, chegou a reconhecer que faltava ao governo poder para interferir na região. 

      Quer sejam lavradores e pecuaristas com os indígenas, quer seja entre posseiros (já que poucos tinham a propriedade legal e a terra era devoluta), a violência no Vale do Mucuri foi o elemento central para resolução de conflitos rurais. 

     O porte de arma era liberado a todo indivíduo adulto, mas armas sofisticadas eram de uso de fazendeiros. Matadores de aluguel recebiam a proteção do grande proprietário, que os tinham como segurança para agir, amedrontar o trabalhador do campo, expulsar os agregados e matar posseiros. Os fazendeiros buscavam ampliar o espaço produtivo a todo custo. Nesses embates, a vantagem era de quem tinha armas e jagunços. A justiça tratava com descaso tal situação, quando não era ela própria que estava envolvida nos conflitos da fazenda.

     No dia 13 de julho de 1930, o jornal O Norte de Minas noticiava 16 homicídios em um período de seis meses no distrito de Urucu, atualmente Carlos Chagas. Em 25 de março de 1933, o mesmo jornal publicava a chacina de cinco membros da família Lopes, no Baixo Mucuri, mortos por jagunços. A polícia prendeu 21 jagunços, mas os militares vindos da capital do Estado reclamavam das interferências políticas locais na apuração.

      Um fator que vai contribuir para que a violência se tornasse um agente determinante nas relações de poder no Vale do Mucuri vai ser o isolamento em relação aos grandes centros políticos. Chegar até a capital mineira era uma aventura que poderia levar mais de um mês.  Esse aspecto colaborou para que o uso da força fosse o regulador dos choques de interesse em função do pouco envolvimento do Estado como mediador dos conflitos no nordeste mineiro. Colonos (com ou sem posse) e indígenas viveram em isolamento por décadas.  

      O modo como foi realizado a ocupação do Mucuri iniciado no século XIX deixou marcas profundas na vida política regional. O isolamento da região por décadas dificultou a penetração dos limites da lei, favorecendo o mando da elite local.  

     Essa estrutura se institucionalizou, ganhou autonomia e resistiu às mudanças ao longo do tempo. Ainda que em conexão com a realidade nacional, assumiu feições muito próprias, tendo como base o mandonismo, localismo, personalismo e patrimonialismo. É esse modelo político adotado o principal responsável pelo atraso que vive ainda hoje o Vale do Mucuri, especialmente se comparado com outras regiões mineiras. 

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Márcio Achtschin Santos, PhD em História pela UFMG e professor da UFVJM. 

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