quarta-feira, 29 de novembro de 2023

PESQUISADORA “MULTITAREFA” VIRA “EMPRESÁRIA DE TAMBAQUIS” EM CURITIBA-PR

 Juliane Mercer morou e trabalhou em Nanuque: 

💬“ Eu era chamada de louca na cidade. Ninguém entendia que eu queria ensinar a importância da reciclagem.”

 



Uma interessante matéria publicada no site de notícias bemparana.com.br, seção Gastronomia, dia 28/11/23, com texto Aline Peres, mostra um pouco da trajetória de Juliane Mercer, que chegou a morar e trabalhar em Nanuque. Veja publicação:

 

A agrônoma e pesquisadora Juliane Mercer pode se considerar uma mulher multitarefas. Conversar com ela é quase como frequentar um parque de diversões, tamanha vivacidade e histórias para contar. No sobe e desce da curiosidade, criatividade e alegria, Juliane considera-se uma mulher de sorte por tantas experiências.

 

É doutora em Genética; empresária do restaurante O Amazônico; mãe de três filhos e apaixonada por artes, música e dança. No currículo, uma vasta experiência em pesquisas que ajuda a construir as histórias que a levam a manter o desejo de voltar para o meio acadêmico. Mas, sem largar nenhum dos seus prazeres de empreender e ser feliz.

 

Ela e o marido, Cristiano Moretini, também agrônomo, são sócios. Há sete anos, estavam em Manaus, capital do Amazonas, a trabalho, quando resolveram que era hora de voltar para casa. Com muitas ideias na cabeça, tinham a certeza de que o hábito alimentar que aprenderam por lá, precisava virar rotina por aqui também.

 



Para Juliane, não seriam quatro mil quilômetros que a afastariam do prazer de comer saudavelmente. “Como é que eu vou viver sem o tambaqui?”, perguntou no último dia ao lembrar do peixe, comum no cardápio dos manauaras, que é muito rico em Ômega-3. E o restaurante de peixe de água doce virou realidade, em 2016. A fachada do O Amazônico, ali no Batel [bairro de Curitiba-PR], só de olhar, já dá água na boca.

 

O tambaqui e o pirarucu, o conhecido bacalhau brasileiro, são o carro-chefe do espaço delivery que recebe pedidos por telefone ou no balcão.

 

No pequeno espaço de pouco mais de 40 metros quadrados tem seis mulheres que tocam e organizam o processo com maestria. Desde o assado da banda de peixe no forno de pedra – idealizado pelo Cristiano – até o cuidado na entrega dos produtos com muito aroma, tempero e cuidado para chegar quentinho.

 

E a palavra banda de tambaqui, quando Juliana conta, gera risadas. Com medo do preconceito dos sulistas pelo peixe de água doce, Juliane foi adiando a inauguração do lugar, mas manteve uma faixa instalada na fachada para motivar o pontapé inicial.

 

Quem passava e lia o texto “aqui, banda de tambaqui” perguntava: é uma banda musical? Não era música, mas uma experiência gastronômica do assado de um dos lados do peixe que vem dando certo. Sem produto químico e certifico, é um peixe criado em cativeiro, sem risco de extinção. O caminhão frigorífico vem toda a semana de Rondônia.

 

História de reciclagem e criatividade

 

E de observação e prática, Juliane está bem acostumada. Depois da formação acadêmica na UFPR, passou por mestrado e doutorado. Estudou pinus e sementes. Formou uma família.

 

[NANUQUE]

 

Com dois filhos, foi para Nanuque, em Minas Gerais, quase divisa com a Bahia. Não encontrou pesquisa e nem universidade na pequena cidade, mas encontrou motivação em fazer a diferença.

 

Teve o terceiro filho, e à procura de algo para fazer profissionalmente, descobriu que a única loja da cidade, igual àquelas de secos e molhados que vende de tudo, estava à venda. Pronto, era a saída.

 

Na sequência, descobriu que tinha mulheres que trabalhavam com lixo em um barracão sem teto na cidade. Reciclagem? Ninguém sabia o que era isso, e ela tomou a missão para si em colocar na mesma vitrine da loja, os reciclados e as peças de roupa.

 

 

“Eu era chamada de louca na cidade. Ninguém entendia que eu queria ensinar a importância da reciclagem. E foi aí que comecei a publicar nas redes sociais que estavam surgindo. Coloquei Nanuque no mundo”, conta, com muitas risadas. A imprensa de Teófilo Otoni, distante pouco mais de 150 km da cidade que morava, descobriu sua vitrine e Juliane virou notícia.

 

E, certo dia, Juliane se viu sozinha com a transferência do marido para Manaus. A mãe, em Curitiba, desesperou e pediu para voltarem. Nem pensar. Com os três filhos, uma loja que não conseguia vender e muita vontade de fazer mais, arrumou as malas e foi atrás do Cristiano.

 

“E percebi que tudo valia a pena quando sobrevoei a Floresta Amazônica. Foi paixão à primeira vista. O rio tem água preta de um lado e barrenta de outro. O encontro do Rio Negro e o Rio Solimões é impressionante.”

 

Medo de altura e encontro com onças

 

Com uma vontade enorme de voltar a trabalhar, viu que teria a oportunidade por estar no meio de pesquisadores. Morando em um hotel, sem conhecer ninguém, saiu distribuindo currículo. E daí surgiu um convite inusitado. Aceitou um convite para fazer parte da equipe de uma pesquisa atmosférica, que buscava entender como a chuva se formava na Floresta Amazônica.

 

Nem pensou duas vezes que sua especialidade era genética e não clima, que teria que morar no mato, e que o salário era muito baixo. Simplesmente aceitou o desafio. “Eu quero isso para mim.” E foi inexplicável quando deu de cara com a primeira onça. “Eu pintava onça desde sempre. Tudo que eu desenhava era onça. E olha onde fui parar?”

 

Juliane conta que os felinos chegavam próximo, uns dez metros e só ficavam olhando. Se fosse só conviver com os animais exótico, tudo bem, dentre a tarefa do dia precisava subir 50 metros em uma torre de observação para coleta de dados. Amarrava o cinto de segurança e fazia a subida, com um sorriso no rosto e os olhos fechados.

 

“Tremia, mas nem olhava para baixo porque não queria perder o emprego”. Ficou até o fim do projeto, conheceu muitos pesquisadores internacionais – inclusive, os levava para sua casa como hóspedes. Os animais machucados que encontrava também tinham pousada até ficarem aptos a voltarem para o habitat. “Era muito conhecimento circulando. Nessas horas, você percebe que o nosso país tem muito potencial, só falta investir e valorizar.”

 

E com o peixe, não foi diferente. Juliane uniu o útil e o agradável, em busca da valorização da sustentabilidade e da vida saudável. “Tudo é aprendizado. E corro atrás para aprender mais, a todo momento”. Assim como tocar piano, pintar quadros ou dançar ballet. “Afinal, é vida.” (Texto: Aline Peres – fotos: Franklin de Freitas)

 

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