NANUQUE E O MODELO PREDATÓRIO NA OCUPAÇÃO DO VALE DO MUCURI
A indústria madeireira Brasil-Holanda S.A. (Bralanda) foi referência de Nanuque e região: desmatamento contínuo, destruição das paisagens naturais |
Já foi apontado anteriormente, na coluna “Fragmentos da história do Mucuri”, que a formação do Vale do Mucuri teve como base a violência na ocupação, o isolamento da região em relação aos grandes centros e as relações agregas. Como último traço que vai marcar a identidade mucuriense, há de se destacar a cultura predatória construída a partir do desmatamento contínuo. A extração de forma intensa da madeira aqueceu a economia na região por mais de um século.
Pela vastidão da floresta ainda existente no nordeste mineiro, tanto a agricultura quanto a pecuária se valeram da derrubada das árvores, ampliando espaços para produção, bem como utilizando da madeira para o comércio.
Riqueza natural que se acreditava infinita pela lógica do produtor rural e por isso deveria ser usada à exaustão. O agregado chegava para a fazenda para a derrubada, quer seja para o plantio, quer seja para o futuro pasto, quer seja para ampliar o latifúndio ocupando as terras devolutas, quer seja ainda para extração da madeira visando o comércio.
O perfil do agrego se adequava perfeitamente ao desmatamento intenso da região. Especialmente entre os anos de 1940 e 1960 no Médio e Baixo Mucuri, período e local em que a pecuária adotou à exaustão um modelo de produção sem tecnologia alguma. A ação era de um movimento permanente de desflorestamento-pasto-desflorestamento.
A derrubada era uma atividade vantajosa para o fazendeiro: era feita a baixo custo (ou sem custo algum), abria espaço para o pasto e ainda lucrava com as madeiras de lei, como cedro, peroba e jequitibá, vendidas para os grandes centros a preços elevados.
No caso específico de Nanuque, a intensa extração de madeira iniciada a partir dos anos 40 do século XX trouxe, em um primeiro momento, muita riqueza. Gerou emprego e aqueceu o comércio local. Surgiram serrarias de grande porte, em especial a indústria multinacional voltada para a atividade madeireira. Nanuque se tornou uma referência como polo madeireiro.
De acordo com Ivan Claret, nos anos de 1960 “[...] a madeira gerava cerca de 60% da renda do Município [...] A mão-de-obra em quase sua totalidade era voltada para madeira [...]”.
Nos anos de 1980, com o esgotamento da matéria-prima, o que ficou foi a destruição da mata nativa. Além da questão ambiental, houve um grande impacto social, elevando o número de desempregados na região e uma queda acentuada no comércio local. Mas, esse tipo de modelo exploratório trouxe consequências mais duradouras, relacionadas à construção identitária regional.
Ao desenvolver uma percepção do ambiente vivido de modo predatório, se consolidou uma cultura também predatória. Resultou daí uma ausência do sentimento de pertença, uma recusa em se identificar com o entorno que se vive, pois a relação ser humano-ambiente foi historicamente de permanente destruição.
Uma das características marcantes da cultura do Mucuri é exatamente a negação do seu passado. Negação que se aproxima do apagamento, muito diferente do esquecimento. Esquecimento deriva do distanciamento de um passado que está perdendo importância em função do novo, do moderno. Mas, o esquecimento é resgatado pela lembrança, pela memória sempre reavivada. Desse modo, o papel das instituições é sempre reacender a chama da formação de um grupo, ou de um povo. Portanto, no cenário atual, é de fundamental importância que se busque recuperar a memória (ou as memórias) do Vale do Mucuri.
Esse resgate é uma ferramenta fundamental para retirar do atraso e da condição de miséria que se encontra hoje o nordeste mineiro.
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Márcio Achtschin Santos,
PhD em História pela UFMG
e professor da UFVJM.
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