terça-feira, 11 de maio de 2021

FRAGMENTOS DA HISTÓRIA DO MUCURI (parte 5)

  


O sangue indígena mucuriense derramado ou que ainda corre em nossas veias

fotomontagem


   A frase “Minha avó foi pega a laço” é ainda hoje uma afirmativa usual nos moradores do Vale do Mucuri para fazer referência ao seu passado indígena. Ela é exposta como um fato pitoresco, quase anedótico. Expressões como essas, na realidade, sinalizam a naturalização do que foi uma das grandes marcas da ocupação do nordeste mineiro no século XIX: a violência contra os povos originários.


   A ocupação do território brasileiro manteve como um dos traços marcantes a violência. Porém, o que particulariza as relações no território do Mucuri é o discurso civilizatório abraçado pelo Império brasileiro nos anos de mil e oitocentos. 


   Mas, além desse projeto de modernidade, as matas da região eram fronteiras onde, apesar do esforço, o Estado pouco alcançava. Portanto, a penetração de colonos naturalizou a violência tanto incorporado pelo discurso civilizatório como pela própria forma de penetração conflituosa. Essa violência recaiu especialmente contra os primeiros habitantes da terra. O enfrentamento entre indígenas e ocupantes do Mucuri foi o ponto central das tensões.


   Várias estratégias foram utilizadas contra o indígena. Uma delas foi a repartição da mata, tendo a presença de quarteis protegendo a penetração de agricultores e pressionando o indígena a ocupar espaços cada vez menores. 


   Essa ação contribuía para os conflitos entre os próprios grupos nativos, como também favorecia o controle do território ocupado. Outro recurso carregava uma maior sutileza, qual seja a modificação do hábito indígena da coleta para o ensinamento das práticas agrícolas. 


   Ofertando alimentos, roupa e cachaça em troca de trabalho, o ganho era duplo: a terra disponível e a força de trabalho barata do indígena. Outra ação de combate ao indígena foi o de arrancar sua cultura, instituindo a língua portuguesa, os princípios cristãos. Os aldeamentos, como o de Itambacuri, fundado em 1873, pelos padres capuchinhos, instituíam entre os índios o casamento, o batismo, os cultos.


   Claro que a marca maior contra os povos originários eram os massacres, acelerando o extermínio dos primeiros habitantes do Mucuri. Chacinas como as ocorridas próximo onde hoje é o distrito de Epaminondas Otoni, município de Carlos Chagas, na qual foram mortos 41 indígenas, incluindo mulheres e crianças, foram constantes ao longo do século XIX. 


   Os pejorativamente chamados de Botocudos também utilizaram o enfrentamento para responder à violência. Próximo à Vila de Santa Clara, localizada no município de Nanuque, uma família portuguesa sofreu um ataque que resultou em onze mortes. A cada ação dessa natureza havia uma reação de maior proporção dos colonos. O que contribuiu para o desaparecimento de grande parte dos povos originários.


   No chegar da república, pouco restou dos indígenas nas matas do Mucuri, tomados pelo álcool e pelas doenças. Para sobreviver, tiveram de abandonar a condição de ser índio. Se parte dos indígenas foi morta, outra parte ocupou as mais diversas funções na economia, especialmente como trabalhadores rurais, em situações de agrego ou em piores condições ainda. 


   Às mulheres indígenas foram destinadas as atividades domésticas ou muitas vezes brutalmente trazidas para vida de matrimônio com os colonos, quando não para a exploração sexual. 


   No aspecto cultural, foram sufocadas referências identitárias de grande parte da população da região, composta especialmente por indígenas. Ainda que não tenham desaparecido, foram incorporadas de forma silenciosa em múltiplas expressões e comportamentos. O desafio, após tantos massacres (inclusive simbólico), é identificar o pulsar do sangue indígena em cada um de nós.


👉TOQUE AQUI PARA LER A PARTE 4


Márcio Achtschin Santos, PhD em História pela UFMG e professor da UFVJM.



  

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