Tributo criado em 2002 no Município está no foco de estudo sobre
implicâncias fiscais do Pacto Federativo Brasileiro
A Lei Municipal nº 1.565/2002, que criou a Taxa de
Preservação Ambiental (TPA), sancionada durante o governo do ex-prefeito Jorge
Miranda, está no foco de texto dissertativo assinado pelo advogado tributarista
Igor Bastos de Almeida Dias, pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto
Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).
Intitulado “As implicâncias fiscais do pacto federativo
brasileiro – Condicionantes para a exigência das taxas de fiscalização:
exercício do poder de polícia – Taxa de preservação ambiental (TPA)”, o texto
sustenta que “o modelo atual se mostra vulnerável às crises que historicamente
acometeram e acometem o país, inviabilizando a proteção social das populações e
regiões menos desenvolvidas”.
A matéria foi publicada nesta terça (16) no site
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(Reproduzido do site migalhas.com.br)
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As implicâncias fiscais do pacto federativo brasileiro – Condicionantes para a exigência das taxas de fiscalização: exercício do poder de polícia – Taxa de preservação ambiental (TPA)
Igor Bastos de Almeida Dias
O modelo atual se mostra vulnerável às crises que historicamente acometeram e acometem o país, inviabilizando a proteção social das populações e regiões menos desenvolvidas.
terça-feira, 16 de junho de 2020
O cenário econômico atual evidencia um caráter ímprobo com relação às contas dos Municípios e Estados Membros, agravado com a atual crise mundial intensificada pela Pandemia de coronavírus (Covid-19). É nesse sentido que embora a crise seja global, os impactos nos Entes Federativos possuem proporções diferentes em razão da forma de estabelecimento e concretização do federalismo brasileiro, possuindo o grave condão de revigorar a dependência econômica/financeira entre a União e os Estados e Municípios.
Nessa toada, é importante apontar que o pacto federativo, no âmbito tributário e financeiro, se fundamenta essencialmente: (i) na competência tributária para instituição de tributos para cada um dos entes políticos de direito público interno, (ii) na existência de uma suposta autonomia financeira e orçamentária dos entes federativos e (iii) na repartição tributária, voluntária ou compulsória, das receitas derivadas dos Entes Federados.
A partir das principais características relacionadas acima, é possível se verificar que há a expressão rígida de federalismo fiscal, sendo esta extremamente compreensível, tendo em vista que a maior fonte de renda do Estado Brasileiro é oriunda das receitas derivadas, originadas da cobrança de tributos. Tal fato macroeconômico é resultante da Constituição Brasileira de 1988, que delimitou a competência tributária para instituição de tributos diversos pelos Entes Federados. Contudo, ao mesmo passo em que se estabeleceu a competência tributária ampla, de forma equivocada também se designou pouca descentralização das receitas fiscais, fortalecendo o ente nacional (União Federal), detentor da competência para a instituição de mais tributos e de maior arrecadação, e enfraquecendo os entes subnacionais (Municípios, Estados Membros e Distrito Federal).
Em razão da disparidade acima relacionada, combinada com as competências administrativas constitucionalmente dispostas aos Entes, contextualiza-se que a União, nos últimos anos tem adotado a prática de aumentar ou instituir tributos cuja arrecadação não é obrigada a ser dividida entre os entes subnacionais, como é o caso das contribuições sociais prejudicando o montante público disponível aos Estados e Municípios. Desse modo, encurralados entre os deveres constitucionais e a ausência de receita, verifica-se em verdade o enfraquecimento da autonomia financeira dos Estados Membros e Municípios, levando-os a buscar desesperadamente meios alternativos de arrecadação, sendo estes muitas vezes inconstitucionais.
Nesse passo, os entes subnacionais encontraram nas denominadas “Taxas de Fiscalização” um meio compensatório para contrabalancear as desigualdades criadas pelo disfuncional sistema federativo brasileiro, realizando verdadeira política fiscal, a qual possui corroboração direta do Supremo Tribunal Federal. Em suas decisões mais recentes o STF tem presumido que para a constatação do exercício do poder de polícia é suficiente a existência órgão fiscalizador, mesmo que não haja a comprovação da realização de fiscalizações individualizadas no estabelecimento de cada contribuinte (RE 416.601/DF).
Melhor dizendo, o perigoso precedente reside na possibilidade de presunção do exercício do poder de polícia, pois se há órgão de fiscalização devidamente criado e integrado por servidores legalmente competentes para o exercício de certa atividade, pelo contexto jurisprudencial é razoável presumir que tal atividade está sendo exercida.
Pois bem, levando-se em consideração as questões dispostas sobre a perniciosidade do precedente, começaremos a destrinchar as nuances da Taxa de Preservação Ambiental (TPA), instituída pelo Município da Nanuque/MG, caso prático no qual observaremos mais detalhadamente durante essa dissertação.
De modo a demonstrar as incorreções vislumbradas no caso em concreto, cumpre realizar a análise da Lei Municipal 1.565/02, instituidora da Taxa de Preservação Ambiental e os critérios estabelecidos da regra matriz de incidência tributária (RMIT), na qual consta que o critério material da TPA consiste no exercício regular do poder de polícia sobre a atividade reflorestamento com espécies exóticas. Também nesta legislação encontra-se o critério espacial, pois o legislador delimitou que o exercício do poder de polícia se dará sob o território do Município de Nanuque. Já o critério temporal, por sua vez, aduz que a Taxa de Preservação Ambiental (TPA) será apurada anualmente.
Quanto ao critério quantitativo da RMIT, estipula o art. 2º da referida lei 1.565/02 que a base de cálculo da Taxa de Preservação Ambiental (TPA) será de 10 (dez) UFIR (Unidade Fiscal de Referência) ou outro indexador que o substitua, por cada Hectare ou fração de área reflorestada.
Nessa senda, mostra-se pertinente realizarmos alguns apontamentos que não podem passar a margem dessa discussão, quais sejam:
(i) Falta de correlação da base de cálculo da Taxa de Preservação Ambiental, com a mensuração do custo financeiro inerente a suposta atuação estatal;
(ii) Similaridade da base de cálculo da Taxa de Preservação Ambiental, com o Imposto Territorial Rural.
No que tange ao primeiro apontamento, a base de cálculo da TPA será o tamanho da área reflorestada, tomando como base os hectares ou a fração de área reflorestada. Nesse ponto, destaca-se que a base de cálculo da respectiva taxa de fiscalização deveria quantificar o valor da atuação estatal incorrido no exercício do poder de polícia. Nesta oportunidade, indaga-se: será que o tamanho da área reflorestada oferece informação precisa sobre a intensidade ou a extensão da atuação estatal?
Diante da tal problemática, elucida-se de forma mais detalhada o questionamento, uma vez que ao tratarmos da espécie tributária da “Taxa”, entende-se que a previsão da base de cálculo da exação deverá coincidir ou mesmo guardar correlação com o factum da atuação estatal (prestação de serviço ou exercício do regular poder de polícia), previsto no antecedente normativo, lhe dimensionando de alguma forma e por algum padrão compatível com a atividade estatal praticada.
Isto posto, entende-se que deve haver uma correlação pertinente entre a base de cálculo e o custo do serviço prestado, de modo que a base de cálculo prevista esteja em consonância com o dispêndio público para prestação do serviço ou pelo exercício do Poder de Polícia por parte do Poder Público.
Nesse sentido, percebe-se que o Fisco Municipal de Nanuque/MG estabeleceu como base de cálculo um indexador que incide sobre cada hectare ou fração de área reflorestada, o que não guarda correlação de pertinência com o valor dispendido pelo Município para efetivar o Poder de Polícia no caso concreto, assim indo em total desencontro com a natureza contraprestacional do tributo.
Ora, é evidente que o Município em voga não gasta aproximadamente 10 vezes mais dinheiro exercendo o poder de polícia para fiscalizar uma área 10 vezes maior que a outra. Todavia, é de se reconhecer que muito provavelmente o Estado venha a gastar mais recursos exercendo o poder de polícia sobre a uma área maior do que sobre a uma área substancialmente menor. É evidente, no entanto, que existem outras variáveis a serem consideradas no cálculo, tal como o tipo de plantio, método e a qualidade do reflorestamento.
Argumentar que a demanda do Estado aumenta na mesma proporção em que aumenta o tamanho da área reflorestada é inepto, pois não há uma relação direta delinear entre ambas as grandezas. Como dito acima, pode até ser que isso ocorra, porém não em proporções sequenciais como quer o legislador municipal mineiro determinou, ou seja, para cada 10 (dez) UFIR (Unidade Fiscal de Referência) ou outro indexador que o substitua, por cada Hectare ou fração de área reflorestada não reflete o custo da atividade estatal.
Isto é, eleger como base de cálculo o tamanho da área reflorestada é um tanto quanto controversa, pois, na verdade, estar-se-ia medindo uma atividade do contribuinte (característica intrínseca aos impostos e não aplicável às taxas). Isto posto, verifica-se a total incongruência na opção adotada pelo legislador mineiro, o qual, aparentemente, instituiu a referida exação com viés arrecadatório. Do contrário fosse, não haveria um disparate tão grande entre o custo da atividade estatal e a estimativa de arrecadação (importâncias milionárias).
Ato contínuo, está presente no mundo jurídico nacional discussões muito semelhantes a essa, envolvendo base de cálculo de outras taxas de fiscalização/polícia instituídas Brasil afora.
Nesta oportunidade, destacam-se as Taxas Minerais instituídas pelos Estados do Pará, Mato Grosso do Sul, Amapá e Minas Gerais. Em todas elas, à grosso modo, a base de cálculo eleita pelo legislador é o volume de minério extraído e, guardadas as devidas proporções, o raciocínio a ser feito é praticamente o mesmo da base de cálculo da Taxa de Preservação Ambiental do Município Nanuque.
Dessa forma, vislumbra-se que, nos casos acima, carece, a unidade escolhida, de uma ligação de congruência para com esta atividade correlata. O tamanho da área reflorestada não retrata o custo, o valor, a frequência, a intensidade ou qualquer outro ato interno da Administração Pública; retrata, na verdade, a atividade produtiva do contribuinte. E se assim é, tem-se uma violação às premissas existentes na Constituição Federal do Brasil.
De forma subsequente, o segundo ponto de destaque sobre o exemplo da taxa de fiscalização municipal em destaque também inflige a base de cálculo da Taxa de Preservação Ambiental, que é a sua perceptível similaridade com a base de cálculo do Imposto Territorial Rural (ITR), uma vez que ambos, apesar das terminologias utilizadas nos textos prescritivos, incidem sobre a mesma riqueza tributada (Área Útil).
Verifica-se que, no caso, o critério material descrito pela legislação municipal, qual seja o reflorestamento com espécies exóticas, a área reflorestada corresponde tecnicamente à área de Terra Nua Tributável, uma vez que o ITR também se utiliza do grau de utilização da propriedade rural. Nesse sentido, vislumbra-se a similaridade entre as bases de cálculo entre duas espécies tributárias distintas (ITR e TPA), o que é veementemente vedado pelo ordenamento jurídico nacional, pela perspectiva o art. 145, § 2º da Constituição Federal quando estatui:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
(...)
II - Taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
(...)
§ 2º As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.
Noutro dizer, as taxas também não poderão ter uma base de cálculo que não meça, dimensione, quantifique ou coincida com uma atuação estatal. Eis aí o paradigma até então aceito perante o ordenamento jurídico brasileiro.
Diante do todo exposto, pode-se dizer que Estados, Distrito Federal e Municípios descobriram nas taxas, em particular, por seu caráter concorrente e amplo, alternativa às constantes perdas arrecadatórias e a concentração de receitas cada vez mais forte nas mãos da União, combinado com a necessidade de cumprimento das atribuições administrativas realizadas pela CF.
Dessa forma, verifica-se que não faltam exemplos de utilização de Taxas de Polícia como meio oblíquo de arrecadação. Vale ressaltar, inclusive, que essa prática vem se tornando cada vez mais frequente ante o silêncio do STF a respeito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIn 4.787/AP, ADIn 4.785/MG e ADIn 4.786/PA), nas quais se discutem as patentes inconstitucionalidades aqui ilustradas.
Ademais, em consonância com o exposto alhures, fica detalhada a necessidade de readequação do pacto federativo nacional, especialmente no âmbito orçamentário e fiscal. Uma vez que ao longo dos anos vem se reafirmando a necessidade de ser conceder mais autonomia e recursos aos entes subnacionais, tendo em vista que o modelo atual de federalismo fiscal adotado pelo Brasil não assegura que todos os entes federados tenham capacidade de financiamento compatível com suas responsabilidades e não dispõe de mecanismos necessários para a eficiência da gestão e da governança.
Conclui-se, assim, que o modelo atual se mostra vulnerável às crises que historicamente acometeram e acometem o país, inviabilizando a proteção social das populações e regiões menos desenvolvidas. Assim, demonstra-se imprescindível garantir a autonomia financeira para cada ente político de direito público interno, mediante a viabilização de ingressos necessários à manutenção de sua independência, caso contrário, continuar-se-á vendo uma busca operacionalizada por meios transversais, no mínimo questionáveis, de arrecadação e, consequentemente, da quebra do modelo de federalismo cooperativo que a Constituição Federal de 1988 previu, mas não pôs em prática.
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*Igor Bastos de Almeida Dias é advogado tributarista da MoselloLima Advocacia. Pós-Graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).
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