Suspeitas e questionamentos: quais são os interesses e os critérios na
contratação dessa licença?
O serviço é disponibilizado gratuitamente pelo governo federal; pagar
por ele pode ser crime contra a eficiência na administração pública
Jamerson: dinheiro poderia ser aplicado em investimentos, obras, salários etc |
A Prefeitura de Nanuque pagou R$ 135 mil no transcorrer de 2017 pela
licença de uso do software administrativo, o que faz projetar para os quatro
anos de gestão um total de, no mínimo, R$ 540.000,00, sem considerar possíveis
reajustes daqui até 2020. “Esse gasto é, além de exorbitante, desnecessário”,
alertou Jamerson Albuquerque
Tiossi, especialista em Produção de Software, que também é bacharel em
Administração Pública e tecnólogo em Sistemas Informatizados.
“Essa grande soma, que ultrapassa meio milhão de reais em quatro anos,
poderia ser aplicada em investimentos, salários, reformas, construção,
treinamento, aquisição de máquinas e equipamentos ou, ainda, pagamentos
adiantamentos de parcelas das muitas dívidas que o Município tem”, afirmou
Jamerson.
O especialista lançou suspeitas e questionamentos, como: “Quais são os
interesses e os critérios na contratação dessa licença? O que este software
contratado pela Prefeitura oferece que o software livre, disponível
gratuitamente no Portal do Software Público Brasileiro, não tem?”
PREFEITURA
PAGA POR SERVIÇO QUE É DISPONIBILIZADO GRATUITAMENTE
É público, é de graça. Por que a Prefeitura de Nanuque paga por ele? |
Segundo
Jamerson, no mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), o
governo federal, por meio do Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão, estabeleceu a criação da Secretaria de
Logística e Tecnologia da Informação e, subordinado a esta, criou o
Departamento de Governo Eletrônico, o que foi confirmado no governo de Luiz
Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010) por decreto de 29 de outubro de 2003,
substituído posteriormente pelo Decreto 8638/2016, já no segundo governo de Dilma
Rousseff (2011-2014 e 2015-2017).
Basicamente,
as medidas governamentais estabelecem que o planejamento e a execução de
programas, projetos e processos relativos à governança digital pelos órgãos e
pelas entidades da administração pública federal direta, autárquica e
fundacional devem observar algumas diretrizes, uma delas é que “os dados serão
disponibilizados em formato aberto, amplamente acessível e utilizável por pessoas
e máquinas, assegurados os direitos à segurança e à privacidade”.
O especialista
acrescenta que os dados devem estar em formato aberto - “dados representados em
meio digital em um formato sobre o qual nenhuma organização tenha controle
exclusivo, passíveis de utilização por qualquer pessoa”.
Prefeitura fica refém
“Ao contratar
um software particular, a Prefeitura fica refém do sistema que esta empresa
adota, daí, com a mudança do governo, surge um novo sistema, um novo formato,
impossibilitando assim uma continuidade dos dados”, adverte Jamerson.
SOFTWARE
PÚBLICO BRASILEIRO
Preocupado com
o formato aberto dos dados, formato este impossível de ser usado quando se usar
um software pago, pois o formato dos documentos (DOC, DOCX, XLS, XLSx) são
formatos proprietários, o governo federal estimulou e financiou a criação de
uma organização chamada Software Público Brasileiro.
Explica que o Software
Público Brasileiro é um tipo específico de software livre que atende às
necessidades de modernização da administração pública de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e é compartilhado
sem ônus no Portal do Software Público Brasileiro, resultando na economia de
recursos públicos e constituindo um recurso benéfico para a administração
pública e para a sociedade.
PRÁTICA DE
CRIME
Jamerson
ressalta que, ao escolher softwares fornecidos ou indicados por suas
consultorias, as prefeituras cometem crime contra a eficiência, que é um dos
princípios da Administração Pública. “Os recursos gastos ali poderiam ser
melhor aplicados em creches, investimentos, reformas. Nanuque, em 2017, pagou
de licença de software administrativo o valor de 135 mil reais, o que significa
que, durante a administração do prefeito Roberto de Jesus, poderá desembolsar
cerca de R$ 540 mil, se não houver correção da prestação do serviço".
E completa: “Diferentemente
dos softwares pessoais que você usa em seu computador e sobre os quais você é o
único responsável, o software usado na Administração Pública deve ser escolhido
tendo como princípio basilar que rege a administração a sigla LIMPE:
Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.”
VEREADOR
ARANHA VAI ABORDAR O ASSUNTO NA CÂMARA, PEDIR INFORMAÇÕES AO PREFEITO E
ENCAMINHAR OFÍCIO AO PROMOTOR
Ao tomar
conhecimento do assunto, o vereador Antonio Carlos Aranha Ruas já manifestou
sua predisposição de levar o assunto em pauta já na primeira sessão de 2018 da
Câmara, marcada para o dia 5 de fevereiro. Antes disso, porém, enviará pedido de informações ao prefeito Roberto e encaminhará ofício ao promotor Thomás
Henriques Zanella Fortes.
Aranha: prefeito precisa explicar |
“O prefeito de
Nanuque possui em seu currículo a experiência de ter assessorado outras
prefeituras, por isso precisa explicar o que vem acontecendo em seu governo.
Não vamos fazer julgamentos precipitados, por isso quero que ele explique o
porquê de a Prefeitura de Nanuque pagar esse valor tão alto com licença de software”,
disse Aranha.
ORIGENS
O professor Jamerson Tiossi reporta à história para dizer que, em 1976, um dos primeiros feitos de Bill
Gates foi defender que o código fonte dos softwares – o código que explica passo a passo o quê o
programa deve e pode fazer – deveria ser segredo. A
moda pegou e a partir daí passou a ceder a licença de uso apenas, não mais o
software em si.
Como resposta
a isto, Richard Stallman criou o conceito do software livre, que hoje é
formalmente conhecido como “software livre/código aberto”(SL/CA), um modelo de software produzido e
distribuído em comunidade e que obedece a quatro diretrizes básicas que incluem
distribuir o código, permitir a alteração e redistribuição do código. Note que
não se encontra nas diretrizes a “gratuidade”, mas o foco do SL/CA é o serviço, e não o
código, já que qualquer um pode baixar o código e criar/alterar o programa.
A imagem do
SL/CA ficou vinculada ao Linux (o nome de um kernel de SL/CA) e há dezenas de
distribuições com este kernel, inclusive talvez seu celular se você utilizar o
Android. Ou seu navegador se você usar o Mozilla Firefox ou o Google Chrome. Há
aplicativos que rodam em qualquer sistema (chamados multiplataformas) e há
aplicativos que necessitam de requisitos que só as distribuições Linux possuem.
O SL/CA cumpre
sozinho e de imediato três itens da lista: é legal, permite-se a publicidade ao
projetar dados em formatos que todos possam acessar, e é eficiente, pois seu
custo é zero, possibilitando a aplicação dos recursos em outras áreas. Por
extensão, é impessoal (fornecido por uma autarquia do governo federal e com o
código fonte) e, certamente, a escolha mais moral a ser tomada.
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