Juliane Mercer morou e trabalhou em Nanuque:
💬“ Eu era chamada de louca na cidade. Ninguém entendia que eu queria ensinar a importância da reciclagem.”
Uma interessante matéria
publicada no site de notícias bemparana.com.br, seção Gastronomia, dia 28/11/23, com texto Aline
Peres, mostra um pouco da trajetória de Juliane Mercer, que chegou a morar e
trabalhar em Nanuque. Veja publicação:
A agrônoma e pesquisadora
Juliane Mercer pode se considerar uma mulher multitarefas. Conversar com ela é
quase como frequentar um parque de diversões, tamanha vivacidade e histórias
para contar. No sobe e desce da curiosidade, criatividade e alegria, Juliane
considera-se uma mulher de sorte por tantas experiências.
É doutora em Genética;
empresária do restaurante O Amazônico; mãe de três filhos e apaixonada por
artes, música e dança. No currículo, uma vasta experiência em pesquisas que
ajuda a construir as histórias que a levam a manter o desejo de voltar para o
meio acadêmico. Mas, sem largar nenhum dos seus prazeres de empreender e ser
feliz.
Ela e o marido, Cristiano
Moretini, também agrônomo, são sócios. Há sete anos, estavam em Manaus, capital
do Amazonas, a trabalho, quando resolveram que era hora de voltar para casa.
Com muitas ideias na cabeça, tinham a certeza de que o hábito alimentar que
aprenderam por lá, precisava virar rotina por aqui também.
Para Juliane, não seriam
quatro mil quilômetros que a afastariam do prazer de comer saudavelmente. “Como
é que eu vou viver sem o tambaqui?”, perguntou no último dia ao lembrar do
peixe, comum no cardápio dos manauaras, que é muito rico em Ômega-3. E o
restaurante de peixe de água doce virou realidade, em 2016. A fachada do O
Amazônico, ali no Batel [bairro de Curitiba-PR], só de olhar, já dá água na
boca.
O tambaqui e o pirarucu, o
conhecido bacalhau brasileiro, são o carro-chefe do espaço delivery que recebe
pedidos por telefone ou no balcão.
No pequeno espaço de pouco
mais de 40 metros quadrados tem seis mulheres que tocam e organizam o processo
com maestria. Desde o assado da banda de peixe no forno de pedra – idealizado
pelo Cristiano – até o cuidado na entrega dos produtos com muito aroma, tempero
e cuidado para chegar quentinho.
E a palavra banda de tambaqui,
quando Juliana conta, gera risadas. Com medo do preconceito dos sulistas pelo
peixe de água doce, Juliane foi adiando a inauguração do lugar, mas manteve uma
faixa instalada na fachada para motivar o pontapé inicial.
Quem passava e lia o texto
“aqui, banda de tambaqui” perguntava: é uma banda musical? Não era música, mas
uma experiência gastronômica do assado de um dos lados do peixe que vem dando
certo. Sem produto químico e certifico, é um peixe criado em cativeiro, sem
risco de extinção. O caminhão frigorífico vem toda a semana de Rondônia.
História de
reciclagem e criatividade
E de observação e prática,
Juliane está bem acostumada. Depois da formação acadêmica na UFPR, passou por
mestrado e doutorado. Estudou pinus e sementes. Formou uma família.
[NANUQUE]
Com dois filhos, foi para
Nanuque, em Minas Gerais, quase divisa com a Bahia. Não encontrou pesquisa e
nem universidade na pequena cidade, mas encontrou motivação em fazer a
diferença.
Teve o terceiro filho, e à
procura de algo para fazer profissionalmente, descobriu que a única loja da
cidade, igual àquelas de secos e molhados que vende de tudo, estava à venda.
Pronto, era a saída.
Na sequência, descobriu que
tinha mulheres que trabalhavam com lixo em um barracão sem teto na cidade.
Reciclagem? Ninguém sabia o que era isso, e ela tomou a missão para si em
colocar na mesma vitrine da loja, os reciclados e as peças de roupa.
“Eu era chamada de louca na
cidade. Ninguém entendia que eu queria ensinar a importância da reciclagem. E
foi aí que comecei a publicar nas redes sociais que estavam surgindo. Coloquei
Nanuque no mundo”, conta, com muitas risadas. A imprensa de Teófilo Otoni,
distante pouco mais de 150 km da cidade que morava, descobriu sua vitrine e
Juliane virou notícia.
E, certo dia, Juliane se viu
sozinha com a transferência do marido para Manaus. A mãe, em Curitiba,
desesperou e pediu para voltarem. Nem pensar. Com os três filhos, uma loja que
não conseguia vender e muita vontade de fazer mais, arrumou as malas e foi
atrás do Cristiano.
“E percebi que tudo valia a
pena quando sobrevoei a Floresta Amazônica. Foi paixão à primeira vista. O rio
tem água preta de um lado e barrenta de outro. O encontro do Rio Negro e o Rio
Solimões é impressionante.”
Medo de altura e encontro com onças
Com uma vontade enorme de
voltar a trabalhar, viu que teria a oportunidade por estar no meio de
pesquisadores. Morando em um hotel, sem conhecer ninguém, saiu distribuindo
currículo. E daí surgiu um convite inusitado. Aceitou um convite para fazer
parte da equipe de uma pesquisa atmosférica, que buscava entender como a chuva
se formava na Floresta Amazônica.
Nem pensou duas vezes que sua
especialidade era genética e não clima, que teria que morar no mato, e que o salário
era muito baixo. Simplesmente aceitou o desafio. “Eu quero isso para mim.” E
foi inexplicável quando deu de cara com a primeira onça. “Eu pintava onça desde
sempre. Tudo que eu desenhava era onça. E olha onde fui parar?”
Juliane conta que os felinos
chegavam próximo, uns dez metros e só ficavam olhando. Se fosse só conviver com
os animais exótico, tudo bem, dentre a tarefa do dia precisava subir 50 metros
em uma torre de observação para coleta de dados. Amarrava o cinto de segurança
e fazia a subida, com um sorriso no rosto e os olhos fechados.
“Tremia, mas nem olhava para
baixo porque não queria perder o emprego”. Ficou até o fim do projeto, conheceu
muitos pesquisadores internacionais – inclusive, os levava para sua casa como
hóspedes. Os animais machucados que encontrava também tinham pousada até
ficarem aptos a voltarem para o habitat. “Era muito conhecimento circulando.
Nessas horas, você percebe que o nosso país tem muito potencial, só falta
investir e valorizar.”
E com o peixe, não foi
diferente. Juliane uniu o útil e o agradável, em busca da valorização da
sustentabilidade e da vida saudável. “Tudo é aprendizado. E corro atrás para
aprender mais, a todo momento”. Assim como tocar piano, pintar quadros ou
dançar ballet. “Afinal, é vida.” (Texto: Aline Peres – fotos: Franklin de
Freitas)
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